20 setembro 2008

Como a Bíblia chegou até nós?

A mente infinita de Deus ao comunicar a revelação da sua perfeita vontade entra em contato conosco que somos finitos e imperfeitos. Por isso, sob esta comunicação ocorre o controle do Espírito de Deus. A Palavra de Deus é acomodada ao pensamento humano, bem como à linguagem comum. Ela passa a participar e se manifestar com, em, através e além da cultura do escritor. Cremos que a Palavra de Deus está registrada no Antigo e no Novo Testamento, sendo escrita por autores humanos, que foram inspirados por Deus (2 Tm 3:16) garantindo a sua inerrância, autoridade, suficiência e clareza. Sabemos que absolutas verdades existem na mente de Deus e que através da revelação vêm à mente do escritor original, assim na inspiração esta revelação registrou-se em Escritura: a Palavra de Deus em palavras humanas.

A Bíblia é plenamente inspirada pelo Espírito Santo. Por inspiração plenária entendemos como sendo aquela completa e suficiente influência do Espírito Santo estendendo-se a todas as partes das Escrituras, ou seja, todos os assuntos abordados, Deus conferiu a sua opinião através da mente e palavras de homens, todavia, estas palavras serão no sentido estrito a Palavra de Deus. A divina influência, que envolveu os escritores sacros, obteve a sua extensão não somente aos seus pensamentos gerais, mas também as todas as palavras que eles usaram, de modo que os pensamentos que Deus desejou revelar-nos foram conduzidos com infalível exatidão – que os escritores foram os instrumentos de Deus no sentido que aquilo que eles disseram, foi de fato o que Deus disse.

A inspiração também foi orgânica. Por inspiração orgânica cremos que os autores não foram anulados em sua personalidade, em sua cultura, capacidade mental, estilo pessoal, mas o Espírito Santo agiu em, com, através e além deles. Os autores, de um modo incomum, tiveram os seus impulsos pecaminosos inibidos, de modo que não contaminassem o resultado de seu registro da Palavra de Deus. As suas capacidades foram aguçadas, de modo que, mesmo tendo um subdesenvolvimento cultural, as suas opiniões se tornaram tão sábias e verdadeiras, sendo evidente que ainda hoje, não conseguimos alcançar nem reproduzir obra literária de semelhante valor e coerência como a Escritura Sagrada. O Espírito Santo capacitou homens a conhecer, interpretar e expressar a verdade de Deus com exatidão. Ele também os impediu de incluir qualquer afirmação que fosse contrária a essa verdade, bem como qualquer informação que lhe fosse desnecessária.

Os escritores sacros foram movidos e inspirados pelo Espírito Santo, envolvendo tanto os pensamentos, como a linguagem, entretanto, eles foram preservados livres de todo erro, fazendo com que os seus escritos fossem inteiramente autênticos e divinos. A Escritura é a Palavra de Deus e não pode mentir (Nm 23:19; 1 Sm 15:29; Tt 1:2; Hb 6:18). Se a Bíblia contêm algum erro histórico, geográfico, ou científico, como podemos ter certeza de que não terá erros morais (Sl 12:6)? Se a Escritura tivesse erros, teríamos que questionar se Deus mentiu, ou errou em alguma de suas informações? Ele soberanamente não poderia livrar os seus escritores de errarem? Como poderíamos aceitar a autoridade da Bíblia, que alega ser a verdade, ensinar a verdade, inspirada por um Deus verdadeiro, e que ama a verdade, se sua Palavra estivesse cheia de erros (Nm 23:19; 2 Sm 7:28; Jo 17:17; Tt 1:2; Hb 6:18)? A inerrância da Escritura está associada com a intenção da mente do autor primário, ou seja, do próprio Espírito Santo. A inerrância é a base de autoridade para toda a Escritura (Mt 5:17-20; Jo 10:34-35).

Não temos mais os textos originais escritos pelos autores, mas temos muitas cópias deles. Com a preservação dos manuscritos temos os textos atuais que precisam ser criteriosamente comparados com todas as cópias para termos o que foi originalmente escrito pelos autores. Através da tradução obtemos as nossas versões que procuram transmitir fielmente o significado essencial do texto original em nossa língua. Por fim, através da correta interpretação da Bíblia a verdade chega a mente do leitor comunicando proposicionalmente a verdade original da mente de Deus.

12 setembro 2008

O Espírito Santo como autor da oração

Os verdadeiros salvos oram a Palavra, movidos pelo Espírito, e as orações estimuladas por Ele, recebem os méritos de Cristo, aplicadas em quem ora, pelo próprio Espírito. Assim, conclui-se que a oração é um meio de graça, porque “da mesma forma o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis” (Rm 8:26, NVI). Comentando este verso Wilhelmus à Brakel conclui que “isto significa que o Espírito Santo garante a disposição e desejos, concede as palavras na boca, segue adiante delas, e causa-as para orar depois delas.”[1] Nesta mesma perspectiva Ronald S. Wallace conclui que a relação da oração e do Espírito é que “nenhum homem é capaz de orar corretamente através de impulsos espontâneos de seus próprios sentimentos. Pois tal oração aparte do Espírito de Deus não é mais do que um mero balbuciar e um caçoar de Deus.”[2]

A oração não é uma atividade meramente humana. Nem mesmo é um simples resultado da influência santificadora do Espírito Santo, como se a terceira Pessoa da Trindade apenas estimulasse sentimentos de dependência, e o crente então, começasse a orar. Em outras palavras, a oração é uma ação da graça eficaz da Trindade no eleito, de modo que a sua salvação e santificação é realizada no Espírito, nos méritos de Cristo, e a oração, segundo a vontade de Deus é eficazmente atendida. Não seria biblicamente exato acusar a oração de ser uma ação da subjetividade emocional do ser humano. A Palavra de Deus é o conteúdo que o Espírito conduz o crente a orar, para que segundo o preceito de Deus, esteja de acordo com a sua vontade. Whilhelm Niesel conclui que “Cristo fornece a possibilidade objetiva da oração, e a fé a subjetiva. Falando estritamente poderíamos dizer que o Espírito Santo vem antes da fé. Assim, quando Calvino indica as pressuposições da oração, ele enfatiza, às vezes, a obra do Espírito Santo em do poder da fé. (...) A obra do Espírito não somente é a fé, mas também, o fruto da fé; isto é, oração. Este fato é a garantia de que a oração está fundamentada na palavra de Deus.”[3]

Oração é um meio de graça, porque quando oramos não intencionamos mudar algo em Deus, mas em nós.[4] É estranho, por exemplo, ler um teólogo calvinista, como A.A. Hodge, declarar que “a eficiência [da oração] consiste no seu poder de afetar a mente de Deus e dispô-la para fazer por nós o que ele não faria se não orássemos”.[5] Este raciocínio é falacioso, porque a oração não redireciona Deus à nosso favor, mas, pelo contrário, ela nos predispõe para aquilo que Ele quer realizar.

Notas:
[1] Wilhelmus à Brakel, The Christian’s Reasonable Service (Pittsbrugh, Soli Deo Gloria Publications, 1994), vol. 3, p. 452.
[2] Ronald S. Wallace, Calvin’s Doctrine of the Christian Life (Eugene, Wipf and Stock Publishers, 1997), p. 286.
[3] Wilhelm Niesel, The Theology of Calvin (Cambridge, James Clarke & Co., 2002), p. 155.
[4] Robert L. Dabney, Lectures on Systematic Theology (Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1978), p. 716.
[5] A.A. Hodge, Evangelical Theology (Edinburgh, The Banner of Truth, 1976), p. 91.