27 fevereiro 2015

A dor, a dúvida e a incredulidade

A dor causa um estranho efeito em nós. Ela nos tira a alegria, a força e a nossa sensibilidade. Quando sofremos é natural que sejamos dominados pela tristeza, fiquemos desanimados e nos tornemos indiferentes com os outros. Certamente não gostamos desta situação. E se não bastasse ainda somos agredidos por diferentes tipos de dúvidas que podem se tornar perigosamente em incredulidade. Certamente você já se questionou o “por que” do sofrimento? É uma questão justa para quem sofre, mas nem sempre encontramos “a resposta” que satisfaz as nossas dúvidas sobre este assunto.

A dúvida e a incredulidade são superficialmente parecidas, mas são essencialmente diferentes. A dúvida geralmente é saudável quando nasce da curiosidade e produz maturidade. A dúvida surge do entendimento parcial, e deseja completar o conhecimento. Quando sofremos parece que a nossa dor e amor de Deus não são compatíveis. A dúvida surge exigindo uma resposta, uma causa, um motivo e um propósito. Por isso, ela pode nos levar ao entendimento de que Deus é soberano e bondoso e, quem controla de toda a nossa vida. Mas, se a dúvida abraçar a rebeldia, e desprezar a verdade da Palavra de Deus, então, ela se converte em incredulidade. Então, a incredulidade gera incertezas, ingratidão, insegurança, e desespero. A dúvida se satisfaz com a verdade, mas a incredulidade a despreza.

Apesar de não termos todas as respostas, convido que pensemos nalgumas coisas em que a dor não deveria nos prejudicar quando assaltados pela dúvida. A verdadeira fé alimentada pela Escritura é mais forte do que as emoções nascidas no sofrimento.

A dor não deveria produzir amargura em nosso coração. Em vez de remoer a decepção, a enfermidade, ou a rejeição, deveríamos nos humilhar diante de Cristo. Ele sofreu grande humilhação pelos homens, torturado, e suportou a mais intensa dor na cruz. O Filho de Deus tem toda autoridade nos céus e sobre a terra. Por isso, Jesus disse que “venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mateus 11:28-30, NVI). É possível viver com dúvidas, mas é insuportável viver na incredulidade. Posso não entender os “por quês” da vida, mas é angustiante viver sem crer em nada, ou pior, sem crer que em Jesus Cristo podemos receber o perdão, o amor e o consolo de Deus o Pai.

A dor não deveria nos isolar de Deus. Há pessoas que por causa do sofrimento preferem se esquecer de Deus. Isso é estranho porque tudo testemunha as digitais do Criador (Salmo 19:1-6 e Romanos 1:18-20). Não temos como nos esquecer dele, nem fugir para algum lugar que Ele não esteja (Salmo 139). Então, em vez de fugirmos do Senhor, seria melhor irmos para Ele. Um autor chamado Os Guiness observou que “Deus não é apenas uma pessoa, ele é a pessoa suprema de quem dependem todos os seres humanos, sem falar da própria vida e de toda a nossa existência. É por isso que confiar nele é conhecê-lo, confiar nele é começar a conhecer a nós mesmos. É por isso que o nosso fim supremo é glorificar a Deus e desfrutá-lo para sempre. É por isso também que confiar em Deus na escuridão seja tão difícil, e duvidar de Deus seja tão devastador” (Encontrando Deus em meio à dúvida, p. 10). Aqueles que têm uma aliança com Deus são amados desde antes da fundação do mundo (Efésios 1:3-11) e são atraídos com este eterno amor que nos encontra e dá sentido a nossa vida (Jeremias 31:3). E nada pode fazer com que Deus desista de nós (Romanos 9:31-39). É neste sentido que Jesus promete que “eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mateus 28:20, NVI).

A dor não deveria nos fazer desistir da vida. A Bíblia fala que Deus é soberano e amor. Ele cuida daqueles que têm uma aliança com Ele. Não podemos amaldiçoar, ou falar coisas vergonhas contra Deus e contra as pessoas. Não é sensato desejar coisas ruins contra a nossa vida. Isto apenas aumentaria o nosso problema. Às vezes, pessoas em intensa dor desejam a morte. Mas, o suicídio é uma fuga para a covardia sem retorno. Nunca deveria ser uma opção por mais angustiante que seja o problema! Então, qual deve ser a nossa escolha? É preciso que leiamos a Bíblia e nela encontremos entendimento da vontade de Deus para a nossa vida. O salmista diz “foi-me bom passar pela aflição para que aprendesse os teus decretos” (Salmo 119:71). Na Escritura Sagrada aprendemos o propósito da vida, do sofrimento e de tudo o que acontece conosco.

A verdadeira fé nasce a partir da Escritura Sagrada (Romanos 10:17). A fé é a soma do correto conhecimento de Deus, de concordarmos com toda verdade revelada e de confiarmos nas promessas da Palavra de Deus. Assim, viver pela fé não é viver andando na cegueira da ignorância. A Bíblia nos ordena que “alegrem-se sempre no Senhor. Novamente direi: alegrem-se! Seja a amabilidade de vocês conhecida por todos. Perto está o Senhor. Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os seus corações e as suas mentes em Cristo Jesus.” (Filipenses 4:4-7, NVI). Quando temos a mente de Cristo, conseguimos capacitados pelo Espírito Santo, entender a dor, o seu propósito e o se fim para a glória de Deus. Não precisamos duvidar, nem errar na incredulidade, mas vigorosamente crer que o Senhor Deus faz com que tudo coopere para o nosso bem, segundo o propósito de nos tornar capaz vez mais semelhante à Cristo Jesus. Assim, com Cristo sabemos que “dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém” (Romanos 11:36, NVI).

23 fevereiro 2015

CARTAS AO JOÃO MARCOS – 2

Aprendendo com o sofrimento

Meu amado filho João Marcos

Confesso que nestes últimos dias o meu coração anda com certa medida de tristeza. Entretanto, o Senhor tem me alimentado com a Sua Palavra e confortado com o contínuo cuidado de irmãos. Não tenho desperdiçado do que tem acontecido à nossa família, mas meditado como a boa mão do Senhor tem nos amparado e dirigido.

Vou registrar a história desses dias porque é possível que daqui a alguns anos você não se recorde mais dos detalhes do acidente. A memória dos fatos nos ajuda a sermos gratos. Levamos cerca de dois anos programando um momento oportuno para descansarmos na casa flutuante dos nossos amigos Genésio e Ni, bem como com os nossos amados irmãos Mário Sérgio e família. Chegamos sexta-feira a tarde, almoçamos e fomos pescar. Aquele é um lugar lindo de beleza natural, um ambiente propício para revigorar as forças e ter um tempo de comunhão em família. Tudo ia muito bem, um lugar lindo, a família reunida com amigos, e boa pescaria. O fim de semana prometia ser muito agradável!

Não imaginávamos o que o Senhor tinha reservado para nós naquele início de noite. Você machucou acidentalmente o teu olho com o anzol e a chumbada ao puxar a linhada com que pescava! Você foi homem o suficiente para tirar o anzol do olho e suportou a dor, sem gritos, sem murmurar e nem falar coisas que pudessem desagradar ao nosso bom Deus. Você não demonstrou rebeldia questionando por que Deus deixou acontecer aquele acidente. Suportou a dor e aceitou com contentamento. Confesso que aprendi a admirá-lo ainda mais, e senti uma satisfação muito grande porque o Senhor me deu como filho um verdadeiro homem.

Eu não estava no flutuante no momento do acidente, porque havia saído de barco para pescar com os tios Mário Sérgio, Vinicius e Igor. Quando cheguei mamãe me deu a triste notícia, e fui vê-lo imediatamente. Encontrei você deitado, quietinho, com o olho coberto, e você me disse: “estou bem papai”. Aquela noite foi longa, e pela primeira vez na minha vida tive dificuldades para dormir. Fiquei pensando qual seria a real gravidade e no que poderia acontecer com o teu olho, e se a demora em leva-lo ao médico não prejudicaria ainda mais. Mas, sair naquela hora da noite não seria prudente. Então, restava-nos a opção de esperar amanhecer o dia, e acima de tudo, esperar na providência do Senhor Deus.

Ao amanhecer, bem cedo, fomos levados pelo sr. Genésio até Porto Velho. A viagem durou cerca de duas horas de barco e depois continuamos numa camionete para a cidade. Chegamos ao CEOF [Centro de Oftalmologia] onde com urgência e competência fomos atendidos pelo Dr Valdemar K. Kjaer. No primeiro momento muita coisa era incerta, porque dependíamos de alguns exames, e de como o seu organismo reagiria ao trauma e aos medicamentos. Assim, uma cuidadosa assistência nos foi dada pelo Dr Valdemar e Dr Gustavo que entre o Sábado até a Terça-feira, insistiram em examinar a reação do teu olho em oito diferentes consultas. As piores possibilidades foram pouco a pouco sendo eliminadas, mas uma catarata se desenvolveu, e a pressão do teu olho subiu, de modo a preocupar os médicos. Em uma semana a pressão foi controlada, mas você terá que passar por uma cirurgia por causa da catarata. A nossa incerteza neste momento é quando isso será possível. Infelizmente você não está enxergando com o olho ferido. Embora isso seja um motivo de tristeza, somos gratos ao Senhor e continuaremos orando e confiando nEle.

Dói-me muito vê-lo limitado por não poder viver as coisas próprias de sua idade. Você é um menino muito alegre e cheio de energia. Normalmente você corre, agita-se e gosta muito de futebol, de desenhar e brincar das coisas próprias dos meninos de sua idade. Mas, agora, às vezes, você se entristece por não poder acompanha-los nas diversões, que neste momento são perigosas para o teu olho. Percebo que uma simples conversa acalma a sua tristeza e conseguimos redirecionar a sua agitação para outra atividade. Nestes últimos dias o João Pedro revelou-se num verdadeiro amigo, deixando de divertir com outros meninos, para ficar fazendo companhia para você.

Confiamos na bondade do nosso Senhor Deus. Entregar o nosso coração ao desespero ou ao descontentamos não glorificará ao Senhor, nem servirá como testemunho do evangelho que cremos. Ao meditar no Breve Catecismo de Westminster lemos na pergunta 2 – Que regra Deus nos deu para nos dirigir na maneira de glorificar e gozá-Lo? Então, ele responde que: “A Palavra de Deus, que se acha nas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento é a única regra para nos dirigir na maneira de glorificar e gozá-Lo.” Isto é profunda e extensivamente verdadeiro. Somos fracos e facilmente tentados a ceder à dúvida por causa do sofrimento. Mas, a Escritura nos oferece uma correta cosmovisão para tudo o que ocorre conosco. Existimos para glória de Deus, e o verdadeiro significado de nossa vida está em satisfazer-nos em seus atributos divinos e vontade. O único modo de conhecermos a Deus de modo correto, e entendermos a sua perfeita vontade é pela Escritura Sagrada. Assim, podemos entender o Catecismo de Heidelberg que nos instrui na questão 2. “O que você deve saber para viver e morrer neste fundamento?” E a resposta é: “Primeiro: como são grandes meus pecados e minha miséria. Segundo: como sou salvo de meus pecados e de minha miséria. Terceiro: como devo ser grato a Deus por tal salvação.” Sabemos que a graça do Senhor é melhor do que a vida. Porque uma vida sem a graça não vale a pena ser vivida, por não ter sentido, e por ser atormentada pelo pecado, e o terror da condenação da justa condenação de Deus. Todas as dores, pesares e amargas tragédias que o nosso Senhor nos concede são para estimular a nossa percepção na sua doce graça.

Meu filho, o nosso coração se une ao salmista que declara que “tudo isso nos sobreveio; entretanto, não nos esquecemos de ti, nem fomos infiéis à tua aliança, nem se desviaram os nossos passos dos teus caminhos, para nos esmagares onde vivem os chacais e nos envolveres com as sombras da morte. Se tivéssemos esquecido o nome do nosso Deus ou tivéssemos estendido as mãos a deus estranho, porventura, não o teria atinado Deus, ele, que conhece os segredos dos corações? Mas, por amor de ti, somos entregues à morte continuamente, somos considerados como ovelhas para o matadouro.” (Sl 44:17-22). E mais uma vez, reforça que “foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos” (Sl 119:71). Somos alimentados com a Palavra de Deus no decorrer destes dias de espera e indecisão, em que somente podemos confiar que o Senhor Deus nos guiará, pois está no controle absoluto, usando pessoas, e preservando sob todo cuidado o nosso coração para amá-Lo acima de todas as coisas.

Assim, em tudo, quer sejam coisas boas ou ruins, alegres ou tristes, temos a inabalável certeza de que somos imutavelmente amados com toda perfeição do nosso Deus. Somos ordenados a amá-Lo acima de todas as coisas, com todo o nosso coração, de toda a nossa alma, e de todo o nosso entendimento [Mt 22:37].